Jon Martín Cullell.
São Paulo (EFE).- A ambientalista Valcléia Solidade alertou, em entrevista à Agência EFE, para a situação “crítica” das comunidades rurais que vivem na Amazônia brasileira, devido à seca histórica na região, e cobra investimento público para evitar a emigração dos seus habitantes.
“Tivemos secas em 2010 e 2014, mas as comunidades nunca ficaram totalmente isoladas como agora”, afirmou uma dos responsáveis pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS), que na quinta-feira participou na primeira edição do Fórum Latino-Americano de Economia Verde, organizado pela EFE em São Paulo, com patrocínio da ApexBrasil e da AkzoNobel.
De acordo com Solidade, que tem 28 anos de experiência em projetos na área, cerca de 75% das quase 600 comunidades atendidas pela FAS, uma das maiores ONGs da região, têm problemas de comunicação devido à diminuição da vazão dos rios.
As viagens para muitas aldeias se tornaram praticamente impossíveis, com o rio Negro (um dos principais afluentes do Amazonas) no seu nível mais baixo desde que se iniciaram os registros em 1902, como resultado de uma combinação de temperaturas elevadas e baixa pluviosidade associada ao fenômeno El Niño.
“As comunidades mais afastadas não conseguem obter nada: alimentos, água, combustível para mover os barcos ou colocar o gerador de energia. As salas de aula também estão fechadas”, afirma.
Além disso, a morte em massa de peixes, incluindo mais de 150 golfinhos de duas espécies ameaçadas de extinção, piorou a qualidade da água em uma região que já sofre de falta de água potável.
“Não há água nem para tomar banho. Em algumas partes do rio, a água tornou-se insalubre e as pessoas começaram a ter problemas de comichão na pele”, alertou.
O governo brasileiro anunciou apoio para drenar os rios e facilitar a navegação, além de enviar ajuda humanitária às comunidades afetadas.
No entanto, Solidade disse que os anúncios são “ações paliativas que não vão resolver fundamentalmente a situação” e pede que se vá além, com investimentos de longo prazo em saneamento básico e capital humano.
Se isso não for feito, é “provável” que os habitantes das comunidades atualmente isoladas pela seca acabem migrando para as cidades no futuro “para não voltarem a viver esta experiência”, advertiu.
Pesca e turismo em vez de garimpo.
A seca atinge a Amazônia justamente quando o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu reduzir o desmatamento em 42% no primeiro semestre do ano, após anos de aumento no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).
Ao mesmo tempo, Lula tem criticado uma visão que atribui à comunidade internacional que considera a Amazônia como um “santuário natural” onde as populações locais quase não contam.
Na mesma linha, Solidade afirmou que muitas pessoas, mesmo dentro do Brasil, pensam que a Amazônia “só tem animais e árvores”, quando há populações que precisam de oportunidades de trabalho para progredir.
É justamente a falta de perspectivas que leva algumas pessoas a se envolverem no garimpo ilegal que afeta a maior floresta tropical do mundo.
Solidade citou o caso de uma comunidade que passou da pesca do pirarucu, o maior peixe da Amazônia, para o trabalho em garimpos ilegais de ouro por ser “mais rentável”.
Um quilo de pirarucu é vendido por cerca de R$ 13,50, enquanto se ganha mais de R$ 100 por um grama de ouro, calcula a ambientalista.
“O que é preciso é investir em capacitação para que as pessoas possam trabalhar. Não é só o extrativismo; há também a pesca, uma biodiversidade muito grande para o desenvolvimento de fármacos, e temos vários exemplos de pessoas que deixaram atividades destrutivas para se dedicar ao turismo comunitário”, explicou.
A FAS afirma que o desmatamento caiu 12% nas áreas onde há projetos de bioeconomia, um exemplo de que a receita funciona.
“Não é o Leonardo DiCaprio (ator e ativista) que vai salvar a Amazônia. Somos nós, brasileiros, que temos que salvá-la. Como sociedade, temos que exigir que nossos representantes tomem atitudes para resolver o problema”, frisou Solidade. EFE