Um centro de armazenamento de resíduos sólidos em Quito. EFE/Arquivo/Juan Antonio de Lucas

Equador, um país de catadores com visão de negócio e ideias rentáveis

Quito (EFE) – Habituados a longos e duros dias de trabalho nas ruas ou em aterros sanitários para coletar plástico, papel, papelão ou vidro para vender por baixos preços, catadores de lixo do Equador mostram que têm uma visão de negócio aguçada para criar empreendimentos mais rentáveis e que profissionalizem o setor de reciclagem no país.

Serviços de coleta e transporte de resíduos, cursos sobre separação e triagem, limpeza de espaços públicos e cuidado de áreas verdes são algumas das iniciativas que a Rede Nacional de Recicladores do Equador (Renarec) oferece para expandir os horizontes em um país onde cerca de 20 mil pessoas se dedicam a trabalhos ligados à reciclagem.

Desde que a Renarec lançou sua unidade de negócios, há quase dois anos, a organização, que reúne cerca de 1.500 catadores e recicladores de lixo de 50 associações de todo o país viu que a atividade pode ser rentável se for realizada da forma adequada.

“Nestes dois anos, o ponto de equilíbrio foi superado, e já há obtenção de lucro”, disse Felipe Toledo, gestor de programas da Fundação Avina, que tem parceria com a Renarec há 15 anos com o objetivo de apoiar os catadores e recicladores de lixo do Equador através da associatividade e de modelos de negócio.

“Entre 60% e 70% das pessoas que se dedicam à reciclagem no Equador são mulheres, então os empreendimentos são liderados, principalmente, por elas”, destacou Toledo sobre a Renarec, cuja direção é composta majoritariamente por mulheres, entre elas a presidente, Juana Iza.

A Renarec também assinou convênios com algumas empresas para a coleta de resíduos, que em alguns casos são doados para posterior processamento e venda a centros de armazenamento, ou diretamente à indústria, que compra esse material para utilizá-lo como matéria-prima.

Distribuição dos lucros

Os lucros são divididos entre as associações que participam do processo de recuperação de resíduos, e uma parte é reservada para ser investida na manutenção do crescimento do negócio, a ponto de já estarem pensando em adquirir um segundo caminhão e em criar o seu próprio centro de armazenamento.

Outro objetivo é ampliar os serviços da unidade comercial para o âmbito nacional, já que, de momento, estão disponíveis apenas em Quito e em Machachi, uma cidade próxima da capital equatoriana.

Durante todo esse processo, a Renarec conta com a consultoria da Fundação Avina, que oferece também oficinas de capacitação para que os catadores e recicladores possam se posicionar cada vez melhor dentro da cadeia de reciclagem. Tudo isso dentro da órbita da plataforma continental Latitud R, que tem foco em reciclagem inclusiva e economia circular.

“Ultimamente tem havido também uma resposta favorável do setor privado, e cinco empresas nacionais estão financiando a formalização e certificação das competências profissionais dos catadores e recicladores”, ressaltou Toledo.

Como resultado, os membros da Renarec ganham em média US$ 218 por mês, em contraste com os cerca de US$ 188 mensais obtidos por trabalhadores do setor que não são membros da organização.

Empoderamento feminino

No entanto, esse valor representa apenas cerca de 50% do salário mínimo no Equador, que atualmente é de US$ 425, motivo pelo qual a Renarec está se articulando politicamente junto ao governo à Assembleia Nacional para que os municípios, que são responsáveis pela gestão de resíduos, melhorem as condições de quem trabalha no setor por meio de incentivos.

Trata-se de um mecanismo pelo qual os municípios paguem aos catadores uma quantia equivalente ao custo para as empresas de gerenciamento de resíduos sólidos do processamento de cada tonelada de resíduos atendida por esses trabalhadores.

Esse modelo já existe em países como Brasil, Argentina e Colômbia, e espera-se que seja implementado no Equador após a regulamentação da Lei Orgânica de Economia Circular e Inclusiva, aprovada em 2021.

Para Toledo, a liderança das mulheres nestes processos é muito louvável, “porque são pessoas que muitas vezes sequer concluíram o ensino básico, mas que estão à frente empresas nacionais, se articulam politicamente para que o governo e a Assembleia aprovem leis e projetos e agora também fazem negócios com os gerentes de empresas do setor privado”.

“Tem havido um empoderamento e uma ocupação do processo por parte das mulheres, e eu acho que, neste país, é relevante destacar isso em tempos de crise, porque mesmo durante a pandemia de covid-19 elas não deixaram de trabalhar, trazendo benefícios para o ambiente, para o clima e para a sociedade”, concluiu ele. EFE