O presidente da Colômbia, Gustavo Petro. EFE/Arquivo/Carlos Ortega

Escutas ilegais por roubo doméstico detonam crise no governo de Petro

Bogotá (EFE).- O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, com apenas dez meses de mandato, enfrenta uma crise delicada que envolve dois dos seus principais aliados, a chefe de gabinete, Laura Sarabia, e o embaixador na Venezuela, Armando Benedetti, em um escândalo de intercepções ilegais e possíveis abusos de poder.

O suposto roubo de uma pasta com dinheiro da casa de Sarabia por Marelbys Meza, uma mulher que trabalhava como babá, foi o gatilho para uma série de irregularidades que hoje colocam a chefe de gabinete, que se tornou o braço direito de Petro no seu governo, e Benedetti, que foi o seu braço direito durante a campanha eleitoral, na corda bamba.

Sarabia é uma jovem advogada que trabalhou com Benedetti quando este era senador e chegaram juntos a Petro. O governante decidiu mantê-la, como prova do seu valor, no cargo mais próximo que tinha: o de chefe de gabinete. Tornou-se assim uma das mulheres mais poderosas do país, mas a sua ascensão meteórica foi travada pelo escândalo das amas e pelas escutas ilegais ordenadas contra ela, assim como por um teste de polígrafo realizado no próprio palácio presidencial.

“Rejeito as intercepções ilegais, lutamos toda a nossa vida pela garantia dos direitos humanos e essa luta custou a vida de muitos dos nossos cidadãos. Estes fatos devem ser investigados e o que aconteceu deve ser esclarecido”, disse a vice-presidente Francia Márquez no Twitter, em reconhecimento implícito de que houve algo ilegal, embora Petro tenha dito na noite anterior que “nenhum membro do governo deu qualquer ordem para escutas”.

O roubo do dinheiro

Tudo começou no final de janeiro, quando, de acordo com uma notícia publicada na revista “Semana” no sábado passado, Marelbys Meza foi acusada de roubar uma pasta contendo uma quantia não especificada de dinheiro da casa de Sarabia.

De acordo com o relato de Meza, quando Sarabia soube do roubo, membros da segurança presidencial a levaram para um prédio em frente à Casa de Nariño, onde ela foi interrogada e submetida a testes de polígrafo sem ordem judicial.

Até o momento, o escândalo era sobre o possível abuso de poder por parte do Estado para tentar esclarecer um determinado assunto, mas de repente os holofotes se viraram para Benedetti, que, segundo o jornalista Daniel Coronell, poderia estar por trás da queixa de Meza, em um episódio de “fogo amigo” no governo.

Benedetti foi um dos primeiros aliados que Petro encontrou fora da esquerda em 2021, quando lançou a sua candidatura presidencial, e é atribuída a ele uma grande parte do seu sucesso eleitoral, motivo pelo qual se tornou uma figura poderosa no governo, que, diante dos processos judiciais contra ele e à reputação de pessoa pouco confiável, não lhe manteve um cargo ministerial, mas o nomeou embaixador na Venezuela.

Conexão com o embaixador

Após a denúncia de Meza, surgiu a conexão de Benedetti com o caso, revelada na “W Radio” por Coronell, segundo a qual o embaixador poderia estar por trás das revelações da ex-babá, que também tomava conta dos filhos do embaixador, em resultado de um confronto entre os dois por causa de cargos no governo.

Segundo esta versão, Benedetti quer deixar a embaixada em Caracas e pediu a Petro o Ministério da Defesa, que foi rejeitado pelo presidente, e Sarabia, sua antiga subordinada, “ofereceu-lhe o Ministério do Interior ou o Ministério das Relações Exteriores, apesar de ambos os cargos já estarem ocupados”.

Benedetti retornou a Bogotá nesta semana para se reunir com Petro e, enquanto o país aguardava os resultados dessa reunião, a revista” Cambio” revelou que Meza não só foi interrogada sem mandado como o seu telefone foi interceptado pela polícia, que usou como fachada uma operação contra o grupo criminoso Clan del Golfo no departamento de Chocó.

Esta versão foi corroborada pelo procurador-geral da República, Francisco Barbosa, que afirmou em entrevista coletiva que nos próximos dias seriam tomadas “decisões judiciais” sobre este caso, que considerou “não só aberrante do ponto de vista judicial, mas que nos coloca de novo no pior cenário histórico da Colômbia, que é a violação dos direitos humanos”.

Paradoxalmente, quando estava na oposição, Petro foi um crítico feroz das intercepções ilegais realizadas durante o governo de Álvaro Uribe (2002-2010) e conhecidas no país como “chuzadas”.

A encruzilhada de Petro

Este escândalo, cheio de pontas soltas, surge em um momento em que o governo de Petro se encontra num ponto baixo, com problemas em várias frentes.

Por um lado, as suas reformas sociais estão paradas no Congresso e a coalizão governamental acaba de ser dinamitada, ao ponto de os membros do partido Aliança Verde terem apresentado ontem uma proposta para arquivar a controversa reforma da saúde.

Além disso, o presidente está em um confronto feroz com o Ministério Público, o Conselho de Estado, a Procuradoria-Geral da República e até mesmo a imprensa.

Em uma tentativa de fazer pender a balança a seu favor, Petro anunciou que, no dia 7 de junho, caminhará “ao lado do povo trabalhador” em uma mobilização convocada pelas organizações de trabalhadores em defesa das reformas.

No mesmo dia, Sarabia está convocada pelo Congresso para responder pelo caso da babá, um problema interno que atingiu o nível de uma crise governamental. EFE