O ex-presidente uruguaio José Mujica. EFE/Arquivo/Elvis González

“Lula está consciente das dificuldades que terá pela frente”, afirma Mujica

Alejandro Prieto.

Montevidéu (EFE).- Emendar um Brasil “crispado” pela divisão para que o “inimigo” se torne “adversário” será o desafio titânico de um Luiz Inácio Lula da Silva que “está consciente das dificuldades que terá pela frente”, segundo disse em entrevista à EFE nesta terça-feira o ex-presidente uruguaio José Mujica.

“O amor venceu” foi a frase escolhida por Lula para acompanhar uma das imagens que rodou o mundo quando, após receber a faixa presidencial das mãos de oito representantes do povo brasileiro, assumiu aquele que será seu terceiro mandato com a clara mensagem de que governará “para todos os brasileiros”.

No entanto, para Mujica, esse desafio não será fácil porque, como disse em entrevista por telefone à EFE, o Brasil ainda precisa deixar para trás o clima de tensão e ataques constantes que caracterizou tanto a última campanha eleitoral quanto a reta final dos quatro anos de governo de Jair Bolsonaro.

“Um dos problemas essenciais é que o Brasil está tenso por sua contradição política e pela longa pregação, conservadora, reacionária, pejorativa, cheia de insultos, que Bolsonaro praticou ao longo dos anos, e que deixou como uma de suas consequências uma sociedade polarizada”, declarou o ex-senador da esquerdista Frente Ampla.

Mujica aprofundou-se assim no que havia dito em sua coluna de opinião na emissora de rádio “M24”, quando afirmou que “a arte da política é transformar o inimigo em adversário”, para explicar por que promover essa reunificação no Brasil será uma tarefa complexo mesmo para quem já governou o país por dois mandatos consecutivos entre 2003 e 2010.

“É difícil porque este processo calou muito fundo, leva muito tempo e não sei até que ponto poderá conseguir, é uma das incógnitas que se apresentam no futuro imediato; mas esses obstáculos vão estar presentes porque a realidade não muda magicamente”, ponderou Mujica.

O político – que modificou os planos iniciais para a posse do presidente brasileiro, com quem mantém “uma velha amizade”, por conta de um convite do presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, para viajar junto com o ex-presidente Julio María Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000) – também comentou que Lula conhece bem a profundidade da ferida que divide seu povo.

“É por isso que disse ‘este é o maior desafio que assumi na minha vida’, ele está consciente das dificuldades que terá pela frente”, destacou.

Por outro lado, Mujica expressou seu ponto de vista sobre como a retórica de Bolsonaro semeou divisão e violência em um país que, segundo ele, culturalmente sempre foi “marcado pela alegria”.

“É o único país que conheço onde há manifestações políticas dançando samba, característica que impressiona quando você conhece o povo brasileiro”, disse o ex-guerrilheiro, acrescentando que Lula deverá abordar esse aspecto, “além dos aspectos econômicos e sociais” que centram seu projeto de “reconstrução” do país.

“O fato de o Brasil recuperar sua temperatura emocional de vida é fundamental porque, como ele disse, não pode haver dois Brasis. Faz parte da recuperação como sociedade, como país, recuperar esse tom e deixar para trás essa atitude de ódio e ataque em um país cuja tradição é bem oposta”, completou o ex-presidente uruguaio. EFE