A diretora do filme, Lilla Halla (e), a atriz Ayomi Domenica (c), e a co-roteirista María Elena Morán. EFE/Nerea González

Em Cannes, equipe do filme brasileiro “Levante” aborda luta pela legalização do aborto

Nerea González |

Cannes (EFE).- A equipe do filme brasileiro “Levante”, primeiro longa da diretora Lillah Halla, sobre a angustiante história de uma jovem atleta que sofre uma gravidez indesejada, considera que a luta pela legalização do aborto está crescendo muito, apesar do “lado conservador” do país.

“É uma boa luta, mas acho que, com coragem incendiária, é possível”, disse Halla nesta segunda-feira em entrevista à EFE na véspera da estreia de seu filme no Festival de Cannes, onde concorre na seção paralela Semana da Crítica.

“Já aconteceu em outros lugares, o Brasil não é mais conservador que a Colômbia”, disse a venezuelana María Elena Morán Atencio, que escreveu “Levante” junto com Halla.

Os direitos reprodutivos são uma questão central em um drama que conta a história de Sofia (interpretada pela atriz Ayomi Domenica Dias), uma promessa do vôlei que recebe a chance da sua vida justamente no momento em que lida com uma gravidez indesejada.

Como o aborto é ilegal no Brasil, Sofia tenta ir para o Uruguai, onde é legal, para interromper a gravidez, com algum respaldo do pai e, principalmente, o apoio incondicional das colegas de sua equipe. Mas se verá também assediada por um forte movimento conservador.

“O trabalho mais bonito que conseguimos fazer é criar essa rede de apoio. Historicamente, a gravidez indesejada acaba sendo um lugar muito solitário, com jornadas em segredo, os caminhos que são hostis acabam sendo mais hostis porque tudo é feito assim”, refletiu Morán Atencio.

Além disso, “embora a fronteira seja um espaço absolutamente poroso em praticamente todas as questões”, acrescentou Halla, com problemas de saúde, como uma gravidez indesejada, esse não é o caso.

Um projeto de sete anos

Sororidade, diversidade, lugar do corpo e competição ou representação LGBTQIA+ são apenas alguns dos temas que perpassam este filme, que foi criado em um processo que durou sete anos.

Foram anos difíceis no plano político do Brasil, destacou Halla, lembrando que desde 2016 iniciou-se um movimento político de extrema-direita que culminaria com a eleição de Jair Bolsonaro em 2019. E, de certa forma, o filme – cujo título faz um jogo de palavras com referências ao vôlei e ao ato metafórico de estimular ou apoiar alguém – é uma resposta a esse processo.

“Ele passou, sobreviveu e incorporou muito disso. A própria questão dos direitos reprodutivos, a política da perseguição, o fascismo saindo do armário, a política do linchamento… Essa lógica do olho por olho, dente por dente, do fascismo subindo e se legitimando a partir de 2019”, comentou a diretora.

“A influência de religiões profundamente conservadoras continua sendo uma realidade gigantesca”, completou Morán Atencio.

Quando Ayomi, a atriz principal de “Levante”, leu o roteiro, inicialmente ficou impressionada com o peso da responsabilidade que o papel envolvia, mas, apesar de não ter certeza se queria fazê-lo, não conseguia parar de pensar na história.

“Também pude sentir isso, é um medo que me atravessa pessoalmente”, confessou, razão pela qual decidiu dizer sim, para contribuir com seu grão de areia para uma questão que envolve “metade da humanidade”.

Para a jovem atriz, a luta pela legalização do aborto ainda está “longe, porque o Brasil tem um lado muito conservador”, embora tenha acrescentado: “Se a nossa luta ficar mais forte, temos uma chance”.

“É uma luta grande, importante, urgente e vai acontecer. Da mesma forma que os processos de opressão da luta estão se fortalecendo, a luta também está”, argumentou Halla. EFE